ARACATI CE FOI A PRINCIPAL CIDADE PRODUTORA DE CHARQUE OU CARNE DE SOL
No período colonial, a maioria dos rebanhos cearenses não era consumida na capitania, mas levada para ser vendida na região açucareira de Pernambuco e da Bahia e, depois, na região do ouro de Minas Gerais.
As boiadas eram levadas do Ceará para Pernambuco, Bahia e Minas Gerais pelos chamados tangerinos. Enquanto os vaqueiros eram responsáveis por cuidar do gado nas fazendas, os tangerinos assumiam a tarefa de levar o gado de uma fazenda a outra e até os locais de comercialização dos animais.
Debaixo do sol escaldante, e aos gritos e cantos (“êêê boi, êêê boi”), os tangerinos conduziam o gado a pé ou usavam cavalos, enfrentando a caatinga e as longas distâncias, que tornavam as viagens desgastantes. Eles enfrentavam muitos problemas, como os ataques indígenas ou de animais selvagens e a falta de bons pastos para o gado ao longo do caminho.
Os tangerinos percorriam as diversas “estradas” (na verdade, caminhos de terra batida) que cruzavam o Ceará em direção ao litoral açucareiro e às minas. Nos cruzamentos dessas estradas ou ao longo delas, onde existissem pastos melhores, água, sombra, uma fazenda, uma igreja , etc., os tangerinos paravam para descansar, comer, dormir e alimentar os rebanhos.
Ceará-Theberge IcóEm alguns desses locais se formaram povoados que deram origem a algumas cidades atuais, como Sobral, Icó e Quixeramobim.
Mas a venda desse gado vivo nas feiras de Pernambuco, Bahia e Minas Gerais não era tão lucrativa assim. Nas caminhadas, as reses morriam, fugiam e perdiam peso, o que as fazia perder valor na hora da venda.
Havia ainda a cobrança de impostos quando os rebanhos deixavam a capitania do Ceará ou diretamente nas feiras em que o gado era comercializado. Isso contribuía para reduzir ainda mais os lucros dos criadores.
Para evitar mais perdas e solucionar esses problemas, no século XVIII os criadores do litoral passaram a vender o gado já abatido, em forma de mantas de carne salgadas e secas ao sol, ou seja, passaram a produzir a chamada carne de sol, jabá ou charque. Nesse período, o Ceará vendeu tanta carne seca que o produto ficou conhecido também como carne do Ceará.
Charqueada desenho Pedro WayneAs instalações nas quais o gado era abatido e era produzido o charque ficaram conhecidos como charqueadas. Essas instalações eram construídas principalmente na foz dos rios maiores, como o Acaraú e o Jaguaribe. Daí a carne era embarcada em navios para outros lugares do Brasil, como Recife, Salvador e Rio de Janeiro, onde serviria de alimento para soldados, pobres e escravos.
As charqueadas, ou oficinas de charque, eram instalações rudimentares, tendo geralmente um curral, varais e um telheiro, debaixo do qual se abrigavam as pessoas que preparavam as carnes, retalhando-as e salgando-as. Os varais eram formados por paus apoiados em forquilhas, para se estender e secar as mantas de carne salgada. Esse processo poderia levar até quatro meses.
Ceará varais de charque Havia nessas oficinas uma divisão de tarefas entre as pessoas e a especialização do trabalho em diferentes fases: cuidar do gado antes do abate, o abate propriamente dito, esquartejamento, salga da carne, exposição ao sol, vigilância da produção, transporte até os portos e carregamento nas embarcações.
As charqueadas geraram maiores ofertas de trabalho para a população livre, pois era mais barato contratar os serviços de uma pessoa livre do que comprar um escravo.
Além de promover a economia do Ceará, o charque contribuiu para aproximar as populações do interior e do litoral. Algumas cidades se destacaram como centros charqueadores, a exemplo de Camocim, Granja, Sobral e Acaraú. Mas o grande centro charqueador foi Aracati, que se tornou a principal cidade cearense até o século XIX. Por sua importância econômica, social e cultural, Aracati chegou a ser indicada para sediar a administração do Ceará, o que nunca ocorreu.
As charqueadas cearenses entraram em crise e desapareceram entre a última década do século XVIII e o início do século XIX. Isso pode ser explicado pela ocorrência de secas entre os anos de 1777-1980 e 1790-1793. Com as secas, o gado morria e não era possível dar continuidade à produção da carne de sol. A forte concorrência do charque oriundo do Rio Grande do Sul, considerado de melhor qualidade, também contribuiu para a crise das charqueadas cearenses. A crescente influência do cultivo do algodão também contribuiu para o fim das charqueadas como elas eram.
Entretanto, mesmo com o fim das charqueadas, a criação de gado continuou a ser importante para a economia e história do Ceará.
Fonte: Monólitos Post
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